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Elifaz repreende Jó

Então, respondeu Elifaz, o temanita, e disse: Se intentarmos falar-te, enfadar-te-ás? Mas quem poderá conter as palavras? Eis que ensinaste a muitos e esforçaste as mãos fracas. As tuas palavras levantaram os que tropeçavam, e os joelhos desfalecentes fortificaste. Mas agora a ti te vem, e te enfadas; e, tocando-te a ti, te perturbas. Porventura, não era o teu temor de Deus a tua confiança, e a tua esperança, a sinceridade dos teus caminhos?

Lembra-te, agora: qual é o inocente que jamais pereceu? E onde foram os sinceros destruídos? Segundo eu tenho visto, os que lavram iniquidade e semeiam o mal segam isso mesmo. Com o hálito de Deus perecem; e com o assopro da sua ira se consomem. 10 O bramido do leão, e a voz do leão feroz, e os dentes dos leõezinhos se quebrantam. 11 Perece o leão velho, porque não há presa, e os filhos da leoa andam dispersos.

12 Uma palavra se me disse em segredo; e os meus ouvidos perceberam um sussurro dela. 13 Entre pensamentos de visões da noite, quando cai sobre os homens o sono profundo, 14 sobreveio-me o espanto e o tremor, e todos os meus ossos estremeceram. 15 Então, um espírito passou por diante de mim; fez-me arrepiar os cabelos da minha carne; 16 parou ele, mas não conheci a sua feição; um vulto estava diante dos meus olhos; e, calando-me, ouvi uma voz que dizia: 17 Seria, porventura, o homem mais justo do que Deus? Seria, porventura, o varão mais puro do que o seu Criador? 18 Eis que nos seus servos não confia e nos seus anjos encontra loucura; 19 quanto mais naqueles que habitam em casas de lodo, cujo fundamento está no pó, e são machucados como a traça! 20 Desde de manhã até à tarde são despedaçados; e eternamente perecem, sem que disso se faça caso. 21 Porventura, não passa com eles a sua excelência? Morrem, mas sem sabedoria.

Elifaz exorta a Jó a que busque a Deus

Chama agora; há alguém que te responda? E para qual dos santos te virarás? Porque a ira destrói o louco; e o zelo mata o tolo. Bem vi eu o louco lançar raízes; mas logo amaldiçoei a sua habitação. Seus filhos estão longe da salvação; e são despedaçados às portas, e não há quem os livre. A sua messe a devora o faminto, que até dentre os espinhos a tira; e o salteador traga a sua fazenda. Porque do pó não procede a aflição, nem da terra brota o trabalho. Mas o homem nasce para o trabalho, como as faíscas das brasas se levantam para voar.

Mas quanto a mim eu buscaria a Deus, e a ele dirigiria a minha fala. Ele faz coisas tão grandiosas, que se não podem esquadrinhar; e tantas maravilhas que se não podem contar. 10 Ele dá a chuva sobre a terra e envia água sobre os campos, 11 para pôr os abatidos num lugar alto; e para que os enlutados se exaltem na salvação. 12 Ele aniquila as imaginações dos astutos, para que as suas mãos não possam levar coisa alguma a efeito. 13 Ele apanha os sábios na sua própria astúcia; e o conselho dos perversos se precipita. 14 Eles, de dia, encontram as trevas; e, ao meio-dia, andam como de noite, às apalpadelas. 15 Mas ao necessitado livra da espada da sua boca, e da mão do forte. 16 Assim, há esperança para o pobre; e a iniquidade tapa a sua própria boca.

17 Eis que bem-aventurado é o homem a quem Deus castiga; não desprezes, pois, o castigo do Todo-Poderoso. 18 Porque ele faz a chaga, e ele mesmo a liga; ele fere, e as suas mãos curam. 19 Em seis angústias, te livrará; e, na sétima, o mal te não tocará. 20 Na fome, te livrará da morte; e, na guerra, da violência da espada. 21 Do açoite da língua estarás abrigado; e não temerás a assolação, quando vier. 22 Da assolação e da fome te rirás; e os animais da terra não temerás. 23 Porque até com as pedras do campo terás a tua aliança; e os animais do campo estarão contigo. 24 E saberás que a tua tenda está em paz; e visitarás a tua habitação, e nada te faltará. 25 Também saberás que se multiplicará a tua semente, e a tua posteridade, como a erva da terra. 26 Na velhice virás à sepultura, como se recolhe o feixe de trigo a seu tempo.

27 Eis que isto já o havemos inquirido, e assim é; ouve-o e medita nisso para teu bem.

Jó justifica as suas queixas

Então, Jó respondeu e disse: Oh! Se a minha mágoa retamente se pesasse, e a minha miséria juntamente se pusesse numa balança! Porque, na verdade, mais pesada seria do que a areia dos mares; por isso é que as minhas palavras têm sido inconsideradas. Porque as flechas do Todo-Poderoso estão em mim, e o seu ardente veneno, o bebe o meu espírito; os terrores de Deus se armam contra mim. Porventura, zurrará o jumento montês junto à relva? Ou berrará o boi junto ao seu pasto? Ou comer-se-á sem sal o que é insípido? Ou haverá gosto na clara do ovo? A minha alma recusa tocar em vossas palavras, pois são como a minha comida fastienta.

Quem dera que se cumprisse o meu desejo, e que Deus me desse o que espero! E que Deus quisesse quebrantar-me, e soltasse a sua mão, e acabasse comigo! 10 Isto ainda seria a minha consolação e me refrigeraria no meu tormento, não me poupando ele; porque não repulsei as palavras do Santo. 11 Qual é a minha força, para que eu espere? Ou qual é o meu fim, para que prolongue a minha vida? 12 É, porventura, a minha força a força da pedra? Ou é de cobre a minha carne? 13 Está em mim a minha ajuda? Não me desamparou todo auxílio eficaz?

14 Ao que está aflito devia o amigo mostrar compaixão, ainda ao que deixasse o temor do Todo-Poderoso. 15 Meus irmãos aleivosamente me trataram; são como um ribeiro, como a torrente dos ribeiros que passam, 16 que estão encobertos com a geada, e neles se esconde a neve. 17 No tempo em que se derretem com o calor, se desfazem; e, em se aquentando, desaparecem do seu lugar. 18 Desviam-se as caravanas dos seus caminhos; sobem ao vácuo e perecem. 19 Os caminhantes de Temá os veem; os passageiros de Sabá olham para eles. 20 Foram envergonhados por terem confiado; e, chegando ali, se confundem. 21 Agora, sois semelhantes a eles; vistes o terror e temestes. 22 Disse-vos eu: dai-me ou oferecei-me da vossa fazenda presentes? 23 Ou: livrai-me das mãos do opressor? Ou: redimi-me das mãos dos tiranos?

24 Ensinai-me, e eu me calarei; e dai-me a entender em que errei. 25 Oh! Quão fortes são as palavras da boa razão! Mas que é o que censura a vossa arguição? 26 Porventura, buscareis palavras para me repreenderdes, visto que as razões do desesperado são como vento? 27 Mas, antes, lançais sortes sobre o órfão e especulais com o vosso amigo. 28 Agora, pois, se sois servidos, olhai para mim; e vede se minto em vossa presença. 29 Voltai, pois, não haja iniquidade; voltai, sim, que a minha causa é justa. 30 Há, porventura, iniquidade na minha língua? Ou não poderia o meu paladar dar a entender as minhas misérias?

Porventura, não tem o homem guerra sobre a terra? E não são os seus dias como os dias do jornaleiro? Como o cervo que suspira pela sombra, e como o jornaleiro que espera pela sua paga, assim me deram por herança meses de vaidade, e noites de trabalho me prepararam. Deitando-me a dormir, então, digo: quando me levantarei? Mas comprida é a noite, e farto-me de me voltar na cama até à alva. A minha carne se tem vestido de bichos e de torrões de pó; a minha pele está gretada e se fez abominável. Os meus dias são mais velozes do que a lançadeira do tecelão e perecem sem esperança. Lembra-te de que a minha vida é como o vento; os meus olhos não tornarão a ver o bem. Os olhos dos que agora me veem não me verão mais; os teus olhos estarão sobre mim, mas não serei mais. Tal como a nuvem se desfaz e passa, aquele que desce à sepultura nunca tornará a subir. 10 Nunca mais tornará à sua casa, nem o seu lugar jamais o conhecerá.

11 Por isso, não reprimirei a minha boca; falarei na angústia do meu espírito; queixar-me-ei na amargura da minha alma. 12 Sou eu, porventura, o mar, ou a baleia, para que me ponhas uma guarda? 13 Dizendo eu: Consolar-me-á a minha cama, meu leito aliviará a minha ânsia! 14 Então, me espantas com sonhos e com visões me assombras; 15 pelo que a minha alma escolheria, antes, a estrangulação; e, antes, a morte do que estes meus ossos. 16 A minha vida abomino, pois não viverei para sempre; retira-te de mim, pois vaidade são os meus dias. 17 Que é o homem, para que tanto o estimes, e ponhas sobre ele o teu coração, 18 e cada manhã o visites, e cada momento o proves? 19 Até quando me não deixarás, nem me largarás, até que engula a minha saliva? 20 Se pequei, que te farei, ó Guarda dos homens? Por que fizeste de mim um alvo para ti, para que a mim mesmo me seja pesado? 21 E por que me não perdoas a minha transgressão, e não tiras a minha iniquidade? Pois agora me deitarei no pó, e de madrugada me buscarás, e não estarei lá.

Bildade refuta as palavras de Jó e justifica a Deus

Então, respondeu Bildade, o suíta, e disse: Até quando falarás tais coisas, e as razões da tua boca serão qual vento impetuoso? Porventura, perverteria Deus o direito, e perverteria o Todo-Poderoso a justiça? Se teus filhos pecaram contra ele, também ele os lançou na mão da sua transgressão. Mas, se tu de madrugada buscares a Deus e ao Todo-Poderoso pedires misericórdia, se fores puro e reto, certamente, logo despertará por ti e restaurará a morada da tua justiça. O teu princípio, na verdade, terá sido pequeno, mas o teu último estado crescerá em extremo. Porque, eu te peço, pergunta agora às gerações passadas e prepara-te para a inquirição de seus pais. Porque nós somos de ontem e nada sabemos; porquanto nossos dias sobre a terra são como a sombra. 10 Porventura, não te ensinarão eles, e não te falarão, e do seu coração não tirarão razões? 11 Porventura, sobe o junco sem lodo? Ou cresce a espadana sem água? 12 Estando ainda na sua verdura, e ainda não cortada, todavia, antes de qualquer outra erva, se seca. 13 Assim são as veredas de todos quantos se esquecem de Deus; e a esperança do hipócrita perecerá. 14 A sua esperança fica frustrada, e a sua confiança será como a teia de aranha; 15 encostar-se-á à sua casa, e ela não se terá firme; ampará-la-á, e ela não ficará em pé; 16 está sumarento antes que venha o sol, e os seus renovos saem sobre o seu jardim; 17 as suas raízes se entrelaçam junto à fonte; para o pedregal atenta; 18 desaparecendo ele do seu lugar, negá-lo-á este, dizendo: Nunca te vi; 19 eis que este é alegria do seu caminho, e outros brotarão do pó.

20 Eis que Deus não rejeitará ao reto; nem toma pela mão aos malfeitores; 21 até que de riso te encha a boca, e os teus lábios, de louvor. 22 Teus aborrecedores se vestirão de confusão, e a tenda dos ímpios não existirá mais.

Jó confessa a justiça de Deus e pede alívio para a sua miséria

Então, Jó respondeu e disse: Na verdade sei que assim é; porque como se justificaria o homem para com Deus? Se quiser contender com ele, nem a uma de mil coisas lhe poderá responder. Ele é sábio de coração, poderoso em forças; quem se endureceu contra ele e teve paz? Ele é o que transporta as montanhas, sem que o sintam, e o que, no seu furor, as transtorna; o que remove a terra do seu lugar, e as suas colunas estremecem; o que fala ao sol, e ele não sai, e sela as estrelas; o que sozinho estende os céus e anda sobre os altos do mar; o que faz a Ursa, e o Órion, e o Sete-estrelo, e as recâmaras do sul. 10 O que faz coisas grandes, que se não podem esquadrinhar, e maravilhas tais que se não podem contar. 11 Eis que passa por diante de mim, e não o vejo; e torna a passar perante mim, e não o sinto. 12 Eis que arrebata a presa; quem lha fará restituir? Quem lhe dirá: Que fazes?

13 Deus não revogará a sua ira; debaixo dele se encurvam os auxiliadores soberbos. 14 Quanto menos lhe poderei eu responder ou escolher diante dele as minhas palavras! 15 A ele, ainda que eu fosse justo, lhe não responderia; antes, ao meu juiz pediria misericórdia. 16 Ainda que chamasse, e ele me respondesse, nem por isso creria que desse ouvidos à minha voz. 17 Porque me quebranta com uma tempestade, e multiplica as minhas chagas sem causa. 18 Nem me permite respirar; antes, me farta de amarguras. 19 Quanto às forças, eis que ele é o forte; e, quanto ao juízo, quem me citará com ele? 20 Se eu me justificar, a minha boca me condenará; se reto me disser, então, me declarará perverso.

21 Ainda que perfeito, não estimo a minha alma; desprezo a minha vida. 22 A coisa é esta; por isso, eu digo que ele consome ao reto e ao ímpio. 23 Matando o açoite de repente, então, se ri da prova dos inocentes. 24 A terra é entregue às mãos do ímpio; Deus cobre o rosto dos juízes; se não é ele, quem é, logo?

25 E os meus dias são mais velozes do que um corredor; fugiram e nunca viram o bem. 26 Passam como navios veleiros, como águia que se lança à comida. 27 Se eu disser: Eu me esquecerei da minha queixa, mudarei o meu rosto e tomarei alento; 28 receio todas as minhas dores, porque bem sei que me não terás por inocente. 29 E, sendo eu ímpio, por que trabalharei em vão? 30 Ainda que me lave com água de neve, e purifique as minhas mãos com sabão, 31 mesmo assim me submergirás no fosso, e as minhas próprias vestes me abominarão. 32 Porque ele não é homem, como eu, a quem eu responda, vindo juntamente a juízo. 33 Não há entre nós árbitro que ponha a mão sobre nós ambos. 34 Tire ele a sua vara de cima de mim, e não me amedronte o seu terror. 35 Então, falarei e não o temerei; porque, assim, não estou em mim.

10 A minha alma tem tédio de minha vida; darei livre curso à minha queixa, falarei na amargura da minha alma. Direi a Deus: não me condenes; faze-me saber por que contendes comigo. Parece-te bem que me oprimas, que rejeites o trabalho das tuas mãos e resplandeças sobre o conselho dos ímpios? Tens tu, porventura, olhos de carne? Vês tu como vê o homem? São os teus dias como os dias do homem? Ou são os teus anos como os anos de um homem, para te informares da minha iniquidade e averiguares o meu pecado? Bem sabes tu que eu não sou ímpio; todavia, ninguém que me livre da tua mão. As tuas mãos me fizeram e me entreteceram; e, todavia, me consomes. Peço-te que te lembres de que, como barro, me formaste, e de que ao pó me farás tornar. 10 Porventura, não me vazaste como leite e como queijo me não coalhaste? 11 De pele e carne me vestiste e de ossos e nervos me entreteceste. 12 Vida e beneficência me concedeste; e o teu cuidado guardou o meu espírito. 13 Mas estas coisas as ocultaste no teu coração; bem sei eu que isto esteve contigo. 14 Se eu pecar, tu me observas; e da minha iniquidade não me escusarás. 15 Se for ímpio, ai de mim! E se for justo, não levantarei a cabeça; cheio estou de ignomínia e olho para a minha miséria. 16 Porque se me exalto, tu me caças como a um leão feroz, e de novo fazes maravilhas contra mim. 17 Tu renovas contra mim as tuas testemunhas e multiplicas contra mim a tua ira; reveses e combate estão comigo.

18 Por que, pois, me tiraste da madre? Ah! Se, então, dera o espírito, e olhos nenhuns me vissem! 19 Então, fora como se nunca houvera sido; e desde o ventre seria levado à sepultura! 20 Porventura, não são poucos os meus dias? Cessa, pois, e deixa-me para que por um pouco eu tome alento; 21 antes que me vá, para nunca mais voltar, à terra da escuridão e da sombra da morte; 22 terra escuríssima, como a mesma escuridão, terra da sombra da morte e sem ordem alguma, e onde a luz é como a escuridão.

Zofar repreende Jó, mostra a sabedoria de Deus e exorta ao arrependimento

11 Então, respondeu Zofar, o naamatita, e disse: Porventura, não se dará resposta à multidão de palavras? E o homem falador será justificado? Às tuas mentiras se hão de calar os homens? E zombarás tu sem que ninguém te envergonhe? Pois tu disseste: A minha doutrina é pura; limpo sou aos teus olhos. Mas, na verdade, prouvera Deus que ele falasse e abrisse os seus lábios contra ti, e te fizesse saber os segredos da sabedoria, que é multíplice em eficácia; pelo que sabe que Deus exige de ti menos do que merece a tua iniquidade.

Porventura, alcançarás os caminhos de Deus ou chegarás à perfeição do Todo-Poderoso? Como as alturas dos céus é a sua sabedoria; que poderás tu fazer? Mais profunda é ela do que o inferno; que poderás tu saber? Mais comprida é a sua medida do que a terra; e mais larga do que o mar. 10 Se ele destruir, e encerrar, ou juntar, quem o impedirá? 11 Porque ele conhece os homens vãos e vê o vício; e não o terá em consideração? 12 Mas o homem vão é falto de entendimento; sim, o homem nasce como a cria do jumento montês.

13 Se tu preparaste o teu coração, estende as tuas mãos para ele; 14 se iniquidade na tua mão, lança-a para longe de ti e não deixes habitar a injustiça nas tuas tendas, 15 porque, então, o teu rosto levantarás sem mácula; e estarás firme e não temerás. 16 Porque te esquecerás dos trabalhos e te lembrarás deles como das águas que já passaram. 17 E a tua vida mais clara se levantará do que o meio-dia; ainda que haja trevas, será como a manhã. 18 E terás confiança, porque haverá esperança; olharás em volta e repousarás seguro. 19 E deitar-te-ás, e ninguém te espantará; muitos acariciarão o teu rosto. 20 Mas os olhos dos ímpios desfalecerão, e perecerá o seu refúgio; e a sua esperança será o expirar da alma.

Jó defende-se das acusações de seus amigos

12 Então, Jó respondeu e disse: Na verdade, que só vós sois o povo, e convosco morrerá a sabedoria. Também eu tenho um coração como vós e não vos sou inferior; e quem não sabe tais coisas como estas? Eu sou irrisão para os meus amigos; eu, que invoco a Deus, e ele me responde; o justo e o reto servem de irrisão. Tocha desprezível é, na opinião do que está descansado, aquele que está pronto a tropeçar com os pés. As tendas dos assoladores têm descanso, e os que provocam a Deus estão seguros; nas suas mãos Deus lhes põe tudo.

Mas, pergunta agora às alimárias, e cada uma delas to ensinará; e às aves dos céus, e elas to farão saber; ou fala com a terra, e ela to ensinará; até os peixes do mar to contarão. Quem não entende por todas estas coisas que a mão do Senhor fez isto, 10 que está na sua mão a alma de tudo quanto vive, e o espírito de toda carne humana? 11 Porventura, o ouvido não provará as palavras, como o paladar prova as comidas? 12 Com os idosos está a sabedoria, e na abundância de dias, o entendimento.

13 Com ele está a sabedoria e a força; conselho e entendimento tem. 14 Eis que ele derriba, e não se reedificará; e a quem ele encerra não se abrirá. 15 Eis que ele retém as águas, e se secam; e as larga, e transtornam a terra. 16 Com ele está a força e a sabedoria; seu é o que erra e o que faz errar. 17 Aos conselheiros leva despojados e aos juízes faz desvairar. 18 Solta a atadura dos reis e ata o cinto aos seus lombos. 19 Aos príncipes leva despojados; aos poderosos transtorna. 20 Aos confiados tira a fala e toma o entendimento aos velhos. 21 Derrama desprezo sobre os príncipes e afrouxa o cinto dos fortes. 22 As profundezas das trevas manifesta e a sombra da morte traz à luz. 23 Multiplica os povos e os faz perecer; dispersa as nações e de novo as reconduz. 24 Tira o coração aos chefes dos povos da terra e os faz vaguear pelos desertos, sem caminho. 25 Nas trevas andam às apalpadelas, sem terem luz, e os faz desatinar como ébrios.

13 Eis que tudo isto viram os meus olhos, e os meus ouvidos o ouviram e entenderam. Como vós o sabeis, o sei eu também; não vos sou inferior. Mas eu falarei ao Todo-Poderoso; e quero defender-me perante Deus. Vós, porém, sois inventores de mentiras e vós todos, médicos que não valem nada. Tomara que vos calásseis de todo, que isso seria a vossa sabedoria! Ouvi agora a minha defesa e escutai os argumentos dos meus lábios. Porventura, por Deus falareis perversidade e por ele enunciareis mentiras? Fareis aceitação da sua pessoa? Contendereis por Deus? Ser-vos-ia bom, se ele vos esquadrinhasse? Ou zombareis dele, como se zomba de qualquer homem? 10 Certamente, vos repreenderá, se em oculto fizerdes distinção de pessoas. 11 Porventura, não vos espantará a sua alteza? E não cairá sobre vós o seu temor? 12 As vossas memórias são como a cinza; as vossas alturas, como alturas de lodo.

13 Calai-vos perante mim, e falarei eu; e venha sobre mim o que vier.

Jó confia em Deus e deseja conhecer os seus pecados

14 Por que razão tomaria eu a minha carne com os dentes e poria a minha vida na minha mão? 15 Ainda que ele me mate, nele esperarei; contudo, os meus caminhos defenderei diante dele. 16 Também isto será a minha salvação, porque o ímpio não virá perante ele. 17 Ouvi com atenção as minhas razões; e com os vossos ouvidos, a minha demonstração. 18 Eis que já tenho ordenado a minha causa e sei que serei achado justo. 19 Quem é o que contenderá comigo? Se eu agora me calasse, renderia o espírito. 20 Duas coisas somente faze comigo; então, me não esconderei do teu rosto: 21 Desvia a tua mão para longe de mim e não me espante o teu terror. 22 Chama, pois, e eu responderei; ou, eu falarei e tu, responde-me.

23 Quantas culpas e pecados tenho eu? Notifica-me a minha transgressão e o meu pecado. 24 Por que escondes o teu rosto e me tens por teu inimigo? 25 Porventura, quebrantarás a folha arrebatada pelo vento? E perseguirás o restolho seco? 26 Por que escreves contra mim coisas amargas e me fazes herdar as culpas da minha mocidade? 27 Também pões os meus pés em cepos, e observas todos os meus caminhos, e marcas os sinais dos meus pés, 28 apesar de eu ser como uma coisa podre que se consome e como a veste, a qual rói a traça.

Jó roga o favor de Deus por causa da brevidade e miséria da vida humana

14 O homem, nascido da mulher, é de bem poucos dias e cheio de inquietação. Sai como a flor e se seca; foge também como a sombra e não permanece. E sobre este tal abres os teus olhos, e a mim me fazes entrar em juízo contigo. (Quem do imundo tirará o puro? Ninguém!) Visto que os seus dias estão determinados, contigo está o número dos seus meses; e tu lhe puseste limites, e não passará além deles. Desvia-te dele, para que tenha repouso, até que, como o jornaleiro, tenha contentamento no seu dia.

Porque há esperança para a árvore, que, se for cortada, ainda se renovará, e não cessarão os seus renovos. Se envelhecer na terra a sua raiz, e morrer o seu tronco no pó, ao cheiro das águas, brotará e dará ramos como a planta. 10 Mas, morto o homem, é consumido; sim, rendendo o homem o espírito, então, onde está? 11 Como as águas se retiram do mar, e o rio se esgota e fica seco, 12 assim o homem se deita e não se levanta; até que não haja mais céus, não acordará, nem se erguerá de seu sono. 13 Tomara que me escondesses na sepultura, e me ocultasses até que a tua ira se desviasse, e me pusesses um limite, e te lembrasses de mim! 14 Morrendo o homem, porventura, tornará a viver? Todos os dias de meu combate esperaria, até que viesse a minha mudança. 15 Chamar-me-ias, e eu te responderia; afeiçoa-te à obra de tuas mãos. 16 Mas agora contas os meus passos; não estás tu vigilante sobre o meu pecado? 17 A minha transgressão está selada num saco, e amontoas as minhas iniquidades. 18 E, na verdade, caindo a montanha, desfaz-se; e a rocha se remove do seu lugar. 19 As águas gastam as pedras; as cheias afogam o pó da terra; e tu fazes perecer a esperança do homem. 20 Tu para sempre prevaleces contra ele, e ele passa; tu, mudando o seu rosto, o despedes. 21 Os seus filhos estão em honra, sem que ele o saiba; ou ficam minguados, sem que ele o perceba; 22 mas a sua carne, nele, tem dores; e a sua alma, nele, lamenta.

Elifaz acusa Jó de impiedade

15 Então, respondeu Elifaz, o temanita, e disse: Porventura, dará o sábio, em resposta, ciência de vento? E encherá o seu ventre de vento oriental, arguindo com palavras que de nada servem e com razões que de nada aproveitam? E tu tens feito vão o temor e diminuis os rogos diante de Deus. Porque a tua boca declara a tua iniquidade; e tu escolheste a língua dos astutos. A tua boca te condena, e não eu; e os teus lábios testificam contra ti.

És tu, porventura, o primeiro homem que foi nascido? Ou foste gerado antes dos outeiros? Ou ouviste o secreto conselho de Deus e a ti somente limitaste a sabedoria? Que sabes tu, que nós não saibamos? Que entendes, que não haja em nós? 10 Também entre nós encanecidos e idosos, muito mais idosos do que teu pai. 11 Porventura, as consolações de Deus te são pequenas? Ou alguma coisa se oculta em ti? 12 Por que te arrebata o teu coração e por que piscas os teus olhos, 13 para virares contra Deus o teu espírito e deixares sair tais palavras da tua boca? 14 Que é o homem, para que seja puro? E o que nasce da mulher, para que fique justo? 15 Eis que nos seus santos não confiaria, e nem os céus são puros aos seus olhos. 16 Quanto mais abominável e corrupto é o homem, que bebe a iniquidade como a água?

Elifaz mostra que o ímpio é atormentado nesta vida

17 Escuta-me, e mostrar-to-ei; e o que vi te contarei; 18 o que os sábios anunciaram, e o que ouviram de seus pais, e não ocultaram 19 (aos quais somente se dera a terra, e nenhum estranho passou por entre eles): 20 Todos os dias o ímpio se dá pena a si mesmo, no curto número de anos que se reservam para o tirano. 21 O sonido dos horrores está nos seus ouvidos; até na paz lhe sobrevém o assolador. 22 Não crê que tornará das trevas, mas que o espera a espada. 23 Anda vagueando por pão, dizendo: Onde está? Bem sabe que o dia das trevas lhe está perto, à mão. 24 Assombram-no a angústia e a tribulação; prevalecem contra ele, como o rei preparado para a peleja. 25 Porque estendeu a sua mão contra Deus e contra o Todo-Poderoso se embraveceu. 26 Arremete contra ele com dura cerviz e com os pontos grossos dos seus escudos. 27 Porquanto cobriu o rosto com a sua gordura e criou enxúndias nas ilhargas. 28 E habitou em cidades assoladas, em casas em que ninguém morava, que estavam a ponto de fazer-se montões de ruínas. 29 Não se enriquecerá, nem subsistirá a sua fazenda, nem se estenderão pela terra as suas possessões. 30 Não escapará das trevas; a chama do fogo secará os seus renovos e, ao assopro da boca de Deus, desaparecerá. 31 Não confie, pois, na vaidade enganando-se a si mesmo, porque a vaidade será a sua recompensa. 32 Antes do seu dia ela se consumará; e o seu ramo não reverdecerá. 33 Sacudirá as suas uvas verdes, como as da vide, e deixará cair a sua flor como a da oliveira. 34 Porque o ajuntamento dos hipócritas se fará estéril, e o fogo consumirá as tendas do suborno. 35 Concebem o trabalho e produzem a iniquidade; e o seu ventre prepara enganos.

Jó acusa a seus amigos de falta de compaixão e misericórdia

16 Então, respondeu Jó e disse: Tenho ouvido muitas coisas como estas; todos vós sois consoladores molestos. Porventura, não terão fim estas palavras de vento? Ou que te irrita, para assim responderes? Falaria eu também como vós falais, se a vossa alma estivesse em lugar da minha alma? Ou amontoaria palavras contra vós e menearia contra vós a minha cabeça? Antes, vos fortaleceria com a minha boca, e a consolação dos meus lábios abrandaria a vossa dor.

Se eu falar, a minha dor não cessa; e, calando-me, qual é o meu alívio? Na verdade, agora me molestou; tu assolaste toda a minha companhia. Testemunha disto é que já me fizeste enrugado, e a minha magreza se levanta contra mim e no meu rosto testifica contra mim. Na sua ira, me despedaçou, e ele me perseguiu; rangeu os dentes contra mim; aguça o meu adversário os olhos contra mim. 10 Abrem a boca contra mim; com desprezo me feriram nos queixos e contra mim se ajuntam todos. 11 Entrega-me Deus ao perverso e nas mãos dos ímpios me faz cair. 12 Descansado estava eu, porém ele me quebrantou; e pegou-me pelo pescoço e me despedaçou; também me pôs por seu alvo. 13 Cercam-me os seus flecheiros; atravessa-me os rins e não me poupa; e o meu fel derrama pela terra. 14 Quebranta-me com golpe sobre golpe; arremete contra mim como um valente. 15 Cosi sobre a minha pele o cilício e revolvi a minha cabeça no pó. 16 O meu rosto todo está descorado de chorar, e sobre as minhas pálpebras está a sombra da morte, 17 apesar de não haver violência nas minhas mãos e de ser pura a minha oração.

18 Ah! terra, não cubras o meu sangue; e não haja lugar para o meu clamor! 19 Eis que também, agora, está a minha testemunha no céu, e o meu fiador, nas alturas. 20 Os meus amigos são os que zombam de mim; os meus olhos se desfazem em lágrimas diante de Deus. 21 Ah! Se alguém pudesse contender com Deus pelo homem, como o filho do homem pelo seu amigo! 22 Porque, decorridos poucos anos, eu seguirei o caminho por onde não tornarei.

17 O meu espírito se vai consumindo, os meus dias se vão apagando, e só tenho perante mim a sepultura. Porventura, não estão zombadores comigo? E os meus olhos não contemplam as suas amarguras? Promete agora, e dá-me um fiador para contigo; quem há que me dê a mão? Porque ao seu coração encobriste o entendimento, pelo que não os exaltarás. O que, lisonjeando, fala aos amigos, também os olhos de seus filhos desfalecerão.

Mas a mim me pôs por um provérbio dos povos, de modo que me tornei uma abominação para eles. Pelo que se escureceram de mágoa os meus olhos e todos os meus membros são como a sombra; os retos pasmarão disto, e o inocente se levantará contra o hipócrita. E o justo seguirá o seu caminho firmemente, e o puro de mãos irá crescendo em força. 10 Mas, na verdade, tornai todos vós e vinde cá; porque sábio nenhum acho entre vós. 11 Os meus dias passaram, e malograram-se os meus propósitos, as aspirações do meu coração. 12 Trocaram a noite em dia; a luz está perto do fim, por causa das trevas. 13 Se eu olhar a sepultura como a minha casa; se nas trevas estender a minha cama; 14 se à corrupção clamar: tu és meu pai; e aos bichos: vós sois minha mãe e minha irmã; 15 onde estaria, então, agora, a minha esperança? Sim, a minha esperança, quem a poderá ver? 16 Ela descerá até aos ferrolhos do Seol, quando juntamente no pó teremos descanso.

Bildade acusa Jó de presunção e impaciência

18 Então, respondeu Bildade, o suíta, e disse: Até quando usareis artifícios em vez de palavras? Considerai bem, e, então, falaremos. Por que somos tratados como animais, e como imundos aos vossos olhos? Ó tu, que despedaças a tua alma na tua ira, será a terra deixada por tua causa? Remover-se-ão as rochas do seu lugar?

Na verdade, a luz dos ímpios se apagará, e a faísca do seu lar não resplandecerá. A luz se escurecerá nas suas tendas, e sua lâmpada sobre ele se apagará. Os seus passos firmes se estreitarão, e o seu próprio conselho o derribará. Porque por seus próprios pés é lançado na rede e andará nos fios enredados. O laço o apanhará pelo calcanhar, e prevalecerá contra ele o salteador. 10 Está escondida debaixo da terra uma corda; e uma armadilha, na vereda. 11 Os assombros o espantarão em redor e o farão correr de uma parte para a outra, por onde quer que apresse os passos. 12 O seu poder será faminto, e a destruição está pronta ao seu lado. 13 Ela devorará os membros do seu corpo; sim, o primogênito da morte devorará os seus membros. 14 Será arrancado da sua tenda, onde estava confiado, e será levado ao rei dos terrores. 15 Morará na sua tenda aquele que nada lhe era; espalhar-se-á enxofre sobre a sua habitação. 16 Por baixo, se secarão as suas raízes, e, por cima, serão cortados os seus ramos. 17 A sua memória perecerá na terra, e pelas praças não terá nome. 18 Da luz o lançarão nas trevas e afugentá-lo-ão do mundo. 19 Não terá filho nem neto entre o seu povo, e resto nenhum dele ficará nas suas moradas. 20 Do seu dia se espantarão os vindouros, e os antigos serão sobressaltados de horror. 21 Tais são, na verdade, as moradas do perverso, e este é o lugar do que não conhece a Deus.

Jó queixa-se da obstinação e dureza dos seus amigos

19 Respondeu, porém, Jó e disse: Até quando entristecereis a minha alma e me quebrantareis com palavras? Já dez vezes me envergonhastes; vergonha não tendes de contra mim vos endurecerdes. Embora haja eu, na verdade, errado, comigo ficará o meu erro. Se deveras vos levantais contra mim e me arguís pelo meu opróbrio, sabei agora que Deus é que me transtornou e com a sua rede me cercou. Eis que clamo: Violência! Mas não sou ouvido; grito: Socorro! Mas não justiça. O meu caminho ele entrincheirou, e não posso passar; e nas minhas veredas pôs trevas. Da minha honra me despojou; e tirou-me a coroa da minha cabeça. 10 Quebrou-me de todos os lados, e eu me vou; e arrancou a minha esperança, como a uma árvore. 11 E fez inflamar contra mim a sua ira e me reputou para consigo como um de seus inimigos. 12 Juntas vieram as suas tropas, e prepararam contra mim o seu caminho, e se acamparam ao redor da minha tenda. 13 Pôs longe de mim a meus irmãos, e os que me conhecem deveras me estranharam. 14 Os meus parentes me deixaram, e os meus conhecidos se esqueceram de mim. 15 Os meus domésticos e as minhas servas me reputaram como um estranho; vim a ser um estrangeiro aos seus olhos. 16 Chamei a meu criado, e ele me não respondeu; cheguei a suplicar com a minha boca. 17 O meu bafo se fez estranho a minha mulher; e a minha súplica, aos filhos do meu corpo. 18 Até os rapazes me desprezam, e, levantando-me eu, falam contra mim. 19 Todos os homens do meu secreto conselho me abominam, e até os que eu amava se tornaram contra mim. 20 Os meus ossos se apegaram à minha pele e à minha carne, e escapei com a pele dos meus dentes. 21 Compadecei-vos de mim, amigos meus, compadecei-vos de mim, porque a mão de Deus me tocou. 22 Por que me perseguis assim como Deus, e da minha carne vos não fartais?

23 Quem me dera, agora, que as minhas palavras se escrevessem! Quem me dera que se gravassem num livro! 24 E que, com pena de ferro e com chumbo, para sempre fossem esculpidas na rocha! 25 Porque eu sei que o meu Redentor vive, e que por fim se levantará sobre a terra. 26 E depois de consumida a minha pele, ainda em minha carne verei a Deus. 27 Vê-lo-ei por mim mesmo, e os meus olhos, e não outros, o verão; e, por isso, o meu coração se consome dentro de mim. 28 Na verdade, que devíeis dizer: Por que o perseguimos? Pois a raiz da acusação se acha em mim. 29 Temei vós mesmos a espada; porque o furor traz os castigos da espada, para saberdes que um juízo.

Zofar descreve as calamidades que os ímpios sofrem

20 Então, respondeu Zofar, o naamatita, e disse: Visto que os meus pensamentos me fazem responder, eu me apresso. Eu ouvi a repreensão, que me envergonha, mas o espírito do meu entendimento responderá por mim. Porventura, não sabes tu que desde a antiguidade, desde que o homem foi posto sobre a terra, o júbilo dos ímpios é breve, e a alegria dos hipócritas, apenas de um momento? Ainda que a sua altura suba até ao céu, e a sua cabeça chegue até às nuvens, como o seu próprio esterco perecerá para sempre; e os que o viam dirão: Onde está? Como um sonho, voa, e não será achado, e será afugentado como uma visão da noite. O olho que o viu jamais o verá, nem olhará mais para ele o seu lugar. 10 Os seus filhos procurarão agradar aos pobres, e as suas mãos restaurarão a sua fazenda. 11 Os seus ossos estão cheios do vigor da sua juventude, mas deitar-se-ão com ele no pó.

12 Ainda que o mal lhe seja doce na boca, e ele o esconda debaixo da sua língua, 13 e o guarde, e o não deixe, antes, o retenha no seu paladar, 14 contudo, a sua comida se mudará nas suas entranhas; fel de áspides será interiormente. 15 Engoliu fazendas, mas vomitá-las-á; do seu ventre, Deus as lançará. 16 Veneno de áspides sorverá; língua de víbora o matará. 17 Não verá as correntes, os rios e os ribeiros de mel e manteiga. 18 Restituirá o seu trabalho e não o engolirá; conforme o poder de sua mudança, não saltará de gozo, 19 porque oprimiu, desamparou os pobres e roubou a casa que não edificou; 20 porquanto não sentiu sossego no seu ventre, da sua tão desejada fazenda coisa nenhuma reterá. 21 Nada lhe sobejará para comer; pelo que a sua fazenda não será durável. 22 Sendo plena a sua abastança, estará angustiado; toda a mão dos miseráveis virá sobre ele. 23 Haja, porém, ainda, de que possa encher o seu ventre, e Deus mandará sobre ele o ardor da sua ira e a fará chover sobre ele quando for comer. 24 Ainda que fuja das armas de ferro, o arco de aço o atravessará. 25 Arrancará o dardo do seu corpo, e resplandecente virá do seu fel; e haverá sobre ele assombros. 26 Toda a escuridão se ocultará nos seus esconderijos; um fogo não assoprado o consumirá, e devorará o que ficar na sua tenda. 27 Os céus manifestarão a sua iniquidade; e a terra se levantará contra ele. 28 As rendas de sua casa serão transportadas; no dia da sua ira, todas se derramarão. 29 Esta, da parte de Deus, é a porção do homem ímpio; esta é a herança que Deus lhe reserva.

Jó mostra que os ímpios, muitas vezes, gozam prosperidade nesta vida

21 Respondeu, porém, Jó e disse: Ouvi atentamente as minhas razões; e isto vos sirva de consolação. Sofrei-me, e eu falarei; e, havendo eu falado, zombai. Porventura, eu me queixo a algum homem? Mas, ainda que assim fosse, por que se não angustiaria o meu espírito? Olhai para mim e pasmai; e ponde a mão sobre a boca, Porque, quando me lembro disto, me perturbo, e a minha carne é sobressaltada de horror.

Por que razão vivem os ímpios, envelhecem, e ainda se esforçam em poder? A sua semente se estabelece com eles perante a sua face; e os seus renovos, perante os seus olhos. As suas casas têm paz, sem temor; e a vara de Deus não está sobre eles. 10 O seu touro gera e não falha; pare a sua vaca e não aborta. 11 Fazem sair as suas crianças como a um rebanho, e seus filhos andam saltando. 12 Levantam a voz ao som do tamboril e da harpa e alegram-se ao som das flautas. 13 Na prosperidade gastam os seus dias e num momento descem à sepultura. 14 E, todavia, dizem a Deus: Retira-te de nós; porque não desejamos ter conhecimento dos teus caminhos. 15 Quem é o Todo-Poderoso, para que nós o sirvamos? E que nos aproveitará que lhe façamos orações? 16 Vede, porém, que o seu bem não está na mão deles; esteja longe de mim o conselho dos ímpios!

17 Quantas vezes sucede que se apaga a candeia dos ímpios, e lhes sobrevém a sua destruição? E Deus, na sua ira, lhes reparte dores! 18 Porque são como a palha diante do vento, e como a pragana, que arrebata o redemoinho. 19 Deus guarda a sua violência para os filhos deles, e aos ímpios dá o pago, para que o conheçam. 20 Seus olhos veem a sua ruína, e ele bebe do furor do Todo-Poderoso. 21 Porque, que prazer teria na sua casa depois de si, cortando-se-lhe o número dos seus meses? 22 Porventura, a Deus se ensinaria ciência, a ele que julga os excelsos? 23 Um morre na força da sua plenitude, estando todo quieto e sossegado. 24 Os seus baldes estão cheios de leite, e os seus ossos estão regados de tutanos. 25 E outro morre, ao contrário, na amargura do seu coração, não havendo provado do bem. 26 Juntamente jazem no pó, e os bichos os cobrem.

27 Eis que conheço bem os vossos pensamentos; e os maus intentos com que injustamente me fazeis violência. 28 Porque direis: Onde está a casa do príncipe e onde a tenda em que morava o ímpio? 29 Porventura, o não perguntastes aos que passam pelo caminho e não conheceis os seus sinais? 30 Que o mau é preservado para o dia da destruição e arrebatado no dia do furor? 31 Quem acusará diante dele o seu caminho? E quem lhe dará o pago do que faz? 32 Finalmente, é levado à sepultura e vigia no túmulo. 33 Os torrões do vale lhe são doces, e ele arrasta após si a todos os homens; e antes dele havia inumeráveis. 34 Como, pois, me consolais em vão? Pois nas vossas respostas só há falsidade.

Elifaz acusa Jó de diversos pecados e o exorta ao arrependimento

22 Então, respondeu Elifaz, o temanita, e disse: Porventura, o homem será de algum proveito a Deus? Antes, a si mesmo o prudente será proveitoso. Ou tem o Todo-Poderoso prazer em que tu sejas justo, ou lucro algum em que tu faças perfeitos os teus caminhos? Ou te repreende pelo temor que tem de ti, ou entra contigo em juízo? Porventura, não é grande a tua malícia; e sem termo, as tuas iniquidades? Porque penhoraste a teus irmãos sem causa alguma e aos nus despojaste das vestes. Não deste água a beber ao cansado e ao faminto retiveste o pão. Mas para o violento era a terra, e o homem tido em respeito habitava nela. As viúvas despediste vazias, e os braços dos órfãos foram quebrantados. 10 Por isso, é que estás cercado de laços, e te perturbou um pavor repentino, 11 ou trevas, em que nada vês; e a abundância de águas te cobre.

12 Porventura, Deus não está na altura dos céus? Olha para a altura das estrelas; quão elevadas estão! 13 E dizes: Que sabe Deus disto? Porventura, julgará por entre a escuridão? 14 As nuvens são o escondedouro dele, para que não veja; e ele passeia pelo circuito dos céus. 15 Porventura, consideraste a vereda do século passado, que pisaram os homens iníquos? 16 Eles foram arrebatados antes do seu tempo; sobre o seu fundamento um dilúvio se derramou. 17 Diziam a Deus: Retira-te de nós. E: Que foi que o Todo-Poderoso nos fez? 18 Ora, ele enchera de bens as suas casas; pelo que, longe de mim o conselho dos ímpios! 19 Os justos o viram e se alegraram, e o inocente escarneceu deles, 20 dizendo: Na verdade, os ímpios foram destruídos, e o fogo consumiu o resto deles.

21 Une-te, pois, a Deus, e tem paz, e, assim, te sobrevirá o bem. 22 Aceita, peço-te, a lei da sua boca e põe as suas palavras no teu coração. 23 Se te converteres ao Todo-Poderoso, serás edificado; afasta a iniquidade da tua tenda. 24 Então, amontoarás ouro como pó e o ouro de Ofir, como pedras dos ribeiros. 25 E até o Todo-Poderoso te será por ouro e por prata amontoada. 26 Porque, então, te deleitarás no Todo-Poderoso e levantarás o teu rosto para Deus. 27 Tu orarás a ele, e ele te ouvirá; e pagarás os teus votos. 28 Determinando tu algum negócio, ser-te-á firme, e a luz brilhará em teus caminhos. 29 Quando te abaterem, então, tu dirás: Haja exaltação! E Deus salvará ao humilde 30 e livrará até ao que não é inocente; sim, ele será libertado pela pureza de tuas mãos.

Jó deseja apresentar-se perante Deus e confia na sua misericórdia

23 Respondeu, porém, Jó e disse: Ainda hoje a minha queixa está em amargura; a violência da minha praga mais se agrava do que o meu gemido. Ah! Se eu soubesse que o poderia achar! Então me chegaria ao seu tribunal. Com boa ordem exporia ante ele a minha causa e a minha boca encheria de argumentos. Saberia as palavras com que ele me responderia e entenderia o que me dissesse. Porventura, segundo a grandeza de seu poder contenderia comigo? Não; antes, cuidaria de mim. Ali, o reto pleitearia com ele, e eu me livraria para sempre do meu juiz.

Eis que, se me adianto, ali não está; se torno para trás, não o percebo. Se opera à mão esquerda, não o vejo; encobre-se à mão direita, e não o diviso. 10 Mas ele sabe o meu caminho; prove-me, e sairei como o ouro. 11 Nas suas pisadas os meus pés se afirmaram; guardei o seu caminho e não me desviei dele.